O Jeitinho tem jeito
Por Antonio de Oliveira Lima*
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Pesquisa
Esta semana fiz uma pesquisa junto aos meus colegas, amigos e parceiros na luta pelos direitos humanos. Indaguei-os sobre o que lhes vem à mente quando se fala em pequenos atos de corrupção, praticados no dia adia pelo cidadão comum. Pedi frases, histórias, personagens e exemplos de comportamentos dessa natureza. Recebi mais de cem respostas , as quais compartilho nesse texto como uma contribuição para prevenção primária da corrupção.
Fura fila
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O segundo ato de corrupção primária mais citado na pesquisa foi a não devolução do troco recebido a maior ou a não devolução dos bens encontrados aos respectivos proprietários. Quinze por cento dos entrevistados apontaram esses atos como desvios de conduta muito corriqueiros. Outros quatorze por cento apontaram o despeito aos direitos do idoso, da pessoa com deficiência, da gestante e outros grupos aos quais a lei assegura prioridade. Os entrevistados demonstraram-se indignados com essa prática, dando sinais que a presencia com muita frequência. Aqui se usa de artifício e desculpas. Alega-se que tinha muitas vagas preferenciais ociosas, que foi uma compra rápida. No ónibus se finge que está dormindo para não dar o acento ao idoso, gestante ou deficiente.
Quando o jeitinho é crime
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Outro crime apontado na pesquisa, com graves consequências para a sociedade em geral, foi a venda ou troca do voto, por dinheiro, favores, bens, serviços, emprego ou outra vantagem ilícita. O problema se repete a cada dois anos, mas as consequências se manifestam todos os dias, durante o mantado dos eleitos. Essa prática maléfica é adotada por eleitores de todos as classes sociais, do analfabeto ao doutor, do trabalhador braçal ao grande executivo, do jovem ao idoso, na zona rural e urbana, nas pequenas cidades e nas grandes metrópoles. Todos reclamam da venda e troca de voto, até os que praticam, mas pouco se tem feito para erradicar essa prática. O cidadão comum dificilmente denuncia por iniciativa própria: as poucas denúncias geralmente são feitas pelos adversários dos denunciados, diretamente, ou por meio de laranjas. Muitas investigações são arquivadas por falta de provas: muitos casos dependem de testemunhas e estas geralmente silenciam por receio de represálias.
Explicações que não justificam
Quando são questionadas sobre os pequenos erros, as pessoas buscam justificá-los nos seus problemas pessoais de saúde, de tempo, no fato de outras pessoas também agirem assim e no argumento de que se trata de um problema pequeno. “Isso é besteira, todo mundo faz”; “foram poucos minutos e ninguém foi prejudicado”, “precisava voltar logo porque meu filho estava doente”; “tinha várias pessoas passando na minha frente, reclamei e não deu em nada, então perdi a paciência e furei também”; “o mundo é dos mais espertos”; “se até as autoridades fazem, porque eu não posso fazer?”; “se todos são corruptos, que diferença faz votar no que dar dinheiro ou faz um favor”; “ele foi único que me deu a mão na hora do aperto”; “eu recebi o dinheiro mas não votei”; “ele rouba mas faz, pior são os outros que roubam e nada fazem”. Obviamente, nem dessas explicações servem para justificar o jeitinho transgressor.
Exemplos de casa
Dentre as frases relatadas na pesquisa algumas apontam causas para o problema como “a ocasião faz o ladrão”; “o exemplo de casa vai pra rua”; “quem é desonesto no pouco é desonesto o muito” (ensinamento de Jesus – Lucas, 10, 11”); “quem rouba um tostão rouba um milhão”.
Há, também, relatos de bons exemplos vividos em casa, de aprendizados da família. Cito trechos das falas de dois entrevistados, que lembraram de seus pais como exemplo de honestidade e inspiração:
“Nunca vi meu pai pegando (roubando), enganado ninguém, muito menos a minha mãe, nasci e cresci vendo meus pais, no dia da eleição, ir votar sem ter que ganhar nada, ainda tenho uma vaga lembrança, que era oferecido um almoço, o candidato a prefeito matava um boi e fazia um almoço para os eleitores. A pessoa desonesta (corrupta), ela é ensinada, desde pequena. ... Tudo começa pela educação dos pais”. Não consigo enxergar outro fator, a não ser a forma como essa criança foi educada pelos seus pais. Trabalhar a cura dessa doença, requer das religiões, do poder público (o percentual ainda não contaminado), social (assistente social), judiciário e das organizações não governamentais um trabalho com as famílias”. (Antonio Lúcio, sindicalista de Baturité).
"Meu pai era alfaiate e já estava com dificuldades de enfiar a linha na agulha. Conseguimos marcar uma perícia no INSS para ajeitar a aposentadoria dele e ficou tudo acertado com uma pessoa, amiga do perito, o que ele falaria no dia para dar tudo certo. Ele ficava calado, pensativo mas tínhamos a certeza de que no dia ele falaria o que ficou combinado. Só que no dia da perícia ele ficou calado. Minha mãe, eu e meus irmãos ficamos sem entender, já que sua capacidade produtiva estava reduzida e a família passava por dificuldades. Inconformada, minha irmã perguntou: - pai porque você não falou o que combinamos? Calmamente ele respondeu: - Não sou eu que vou roubar o meu país; se todo mundo que tiver uma pequena dificuldade agir assim vai chegar o dia que não terá para os que de fato precisam” (Rita Lemos, Teresina-PI).
Dando um jeito no jeitinho
Já vimos que o chamado jeitinho brasileiro é tido não apenas como uma habilidade para solucionar problemas de forma criativa, mas também um artifício para obtenção de fins ilícitos, com violação de normas sociais, éticas, morais ou legais. Sobre essa segunda vertente sua prática reiterada tem nos encaminhado, ao longo do tempo, a sermos tolerante com a corrupção. Tudo como começa a aceitação de práticas ilícitas que consideramos de menor potencial ofensivo, até chegar nos atos de corrupção dos políticos. Tais práticas têm ajudado a moldar a formação de um caráter flexível, que admite transgressões das normas, principalmente quando não somos as vítimas ou quando os transgressores somos nós, nossos parentes, amigos ou aliados.
Estamos assustados diante da corrupção dos políticos e das diversas formas que eles têm adotado para fazer uso de contratos administrativos, cargos e funções públicas de defesa dos próprios interesses econômicos ou políticos partidários, ou dos interesses patrimoniais privados dos grupos que o apoiam, colocando-os acima dos interesses sociais e do bem comum. Por outro lado, buscamos nos isentar de repreensões sobre nossos pequenos atos falhos, ao argumento de que há muitas pessoas que fazem coisa bem mais graves. Muitas vezes não conseguimos fazer uma conexão entre essas ações e os grandes atos de corrupção. A situação é realmente grave, porém temos sido omissos no nosso dia a dia.
Precisamos sair da zona de conforto e nos desapegar de nossas práticas de tolerância, conivência e colaboração com a corrução. Precisamos agir corretamente e transmitir os valores éticos aos nossos filhos e entes queridos, sendo bons exemplos para eles. Quando cometermos erros, devemos assumir a responsabilidade, buscar corrigi-los, reparar os danos causados e evitar novos erros, e não tentar justificar, alegando que são pequenas falhas ou que não são tão graves assim. Precisamos mudar a visão segundo a qual não há problema em parar na vaga de deficientes ou idosos. Mesmo que seja por um instante, ou que ela esteja desocupada. Não podemos tolerar que nós, nossos filhos continuemos colando na prova para obter um melhor resultado; temos que deixar de argumentar que isso não é algo grave, que é apenas uma prova, ou que todo mundo faz.
Nada muda se não mudarmos. Então sejamos a mudança que queremos para o Brasil. Enquanto não abolirmos esse comportamento do jeitinho transgressor de normas não teremos moral para reclamar dos erros praticados nas mais altas esferas governamentais. Como nos ensinou Jesus, “quem é desonesto no pouco também é desonesto no muito”. Trazendo para a linguagem popular “quem rouba um tostão rouba um milhão”. Precisamos mudar essa história do começo. Só assim mudaremos a história toda. O começo é a criança, o adolescente, a família, a escola, a igreja. O começo sou eu, é você, é cada um de nós. Se agirmos agora, mudando nossas condutas, se multiplicarmos e divulgarmos as boas práticas, a mensagem chegará a outras pessoas, através da chamada pedagogia do exemplo. Depois de algumas gerações mudaremos essa cultura.
Se quisermos construir um país melhor para nossos filhos, devemos começar formando filhos melhores para o nosso pais. Um país justo é formado de homens justos e não apenas de políticos justos. Somente teremos bons políticos se tivermos bons homens, desde menino, e boas mulheres, desde menina. Quanto tempo será necessário? Muitas décadas e gerações, talvez séculos. Mas se acreditarmos, iniciarmos e prosseguirmos chegaremos lá. Está cansado dos políticos corruptos? Ocupe o lugar deles e faça diferente. Quer acabar com a corrupção? Seja honesto. Está cansado de ser honesto? Pode descansar, o que não pode é desistir. Fé, determinação e perseverança são as chaves. São como “agua mole e pedra dura, tanto bate até que fura”.
Vamos dar um jeito no jeitinho? Então comecemos agora. Enquanto mais demorarmos para começar a caminhada, mais distante estaremos do seu final. É uma longa caminhada sim, mas que isso não seja motivo de desânimos. Sejamos como o plantador de tâmaras: ele sabe que dificilmente colherá os frutos, pois somente virão oitenta ou noventa anos depois. Mas também sabe que seus sucessores colherão. Se ele não plantasse, ninguém comeria tâmaras. Assim também é a prevenção primária da corrupção. Se começarmos agora, os frutos serão colhidos pelas próximas gerações. Então que plantemos logo as tâmaras da prevenção desse mal, na certeza de que haverá frutos, pois o que não surte efeito nenhum é não fazer nada.
* O autor é Procurador do Trabalho, Vice Procurador-Chefe do MPT/CE, Coordenador Geral do Peteca, Coordenador Regional da Coordinfância e da Conap, articulador, mobilizador e coordenador de diversos projetos de prevenção e erradicação do trabalho infantil. Também faz parte da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), atuando principalmente nas ações de prevenção primária à corrupção.
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